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quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

João Gilberto by João Leão #1 - Não vou pra casa

Bom, inaugurando a seção de estudo dos arranjos de João Gilberto, vou postar uma música relativamente simples (isso porque não tive grandes dificuldades em tirá-la de ouvido). A música é Não vou pra casa (Antonio Almeida / Roberto Roberti), de seu álbum João Voz e Violão, de 2000.



Vou começar inicialmente com o vídeo que gravei executando o arranjo, e tentarei depois esboçar alguns comentários gerais sobre a música. Pra facilitar a leitura, principalmente de quem não entende e/ou estuda música e harmonia, tentarei começar primeiramente com a minha percepção sensível da música, e vou gradativamente evoluindo até algumas pontuações que consiga fazer a respeito da harmonia e das construções de acordes do arranjo do João Gilberto. O leitor pode ir até onde sua compreensão de teoria musical e do funcionamento do violão chega, ou simplesmente se ater às discussões estéticas gerais da música, apesar de que praticamente toda a estética do João Gilberto está calcada em seus jogos rítmicos e harmonicos, que tentarei esmiuçar o quanto puder.

Creio que conforme eu me familiarize e me aproprie mais desses típos de análises produzirei posts mais fluentes e ricos. Esse primeiro vale como um teste...

Vamos ao vídeo:



Bom, inicialmente o que me atraiu bastante nessa música é a letra, bem interessante, principalmente para mim que não gosto muito de ficar em casa! Tanto que quando me apresento ao violão em algum lugar quase sempre toco essa música, que dependendo da situação serve até como um hino à minha bohemia e até deixa transparecer algum sentimento de nomadismo, chamando o acaso para a brincadeira - ou para a roda do samba-, como o maior dos aliados e campo de possibilidades infinitas de acontecer e agir. Apesar dessa não ser explicitamente a mensagem da letra, me dou o direito de interpretá-la desse modo.

De qualquer jeito, o João é mestre em pegar sambas bem antigos e revitalizá-los na sua Bossa Nova. E muitos desses sambas com compositores relativamente "desconhecidos" - ou "não famosos", pelo menos para a minha geração. Uma rápida pesquisa no Google e vejo que Antonio Almeida e Roberto Roberti são dois compositores da era do rádio, nascidos em 1911 e 1915. Entre as principais composições de Roberto Roberti identifiquei outra música conhecida do repertório de João Gilberto, Izaura - quem sabe poste ela em outro momento oportuno-, e outras mais famosas como a boa e velha marchinha Aurora!

Indo um pouco mais a fundo, percebemos que a música possui uma harmonia bem símples, um sambinha sem grandes surpresas. Mas destaco aqui dois pontos altos do arranjo que João fez pra essa música:

O primeiro é bem simples, se vê logo nos primeiros compassos. Quando tirei esse arranjo foi quando primeiro percebi uma das formas que o João trata um acorde que se prolonga por alguns compassos. Nesse caso, é justamente a fundamental da música, que está no tom de B. Para dar mais balanço à harmonia em três compassos onde o acorde se sustenta, ele faz a seguinte sequência (os números entre parêntesis indicam a posição dos dedos no braço do violão):


Bmaj7 (x2x342) / Bmaj7 (xx4444) / Bmaj7 (xx4446)

Nada de extraordinário, mas me chamou a atenção, e logo vi que ele usa esse recurso, com outras formas, em diversas outras músicas.

O outro ponto ocorre na parte B ("Eu sou do samba rasgado..."), que seria originalmente uma simples progressão cíclica I - VI - II - V - I, extremamente comum não só no samba, um movimento típico da musica tonal em geral. No caso da música, a progressão começa no grau II, e seria:

C#m7 / F#7 / B / G#7 / C#m7 / F#7 / B

O que João faz é quebrar com a monotonia desse "quadradinho" tão manjado, alterando os acordes dos graus II e V, ficando:


C#m7/G# (4x242x) / ?Eo? (0x202x) / Bmaj7 (x2x342) / G#7 (4x454x) /

O segundo acorde para mim sugere um Eo (diminuto), que nesse caso funcionaria como substituto do F#7, dominante. Mas o mais interessante é a mudança na progressão do baixo, que realmente quebra a monotonia da progressão original.

Bom, essa música relativamente símples me serviu de teste para os postos que produzirei para esse projeto. Talvez não tenha muito espaço para uma discussão minuciosa da harmonia em músicas mais longas e mais complexas que já tirei do João Gilberto, ou talvez eu vá encontrado formas mais enxutas de fazer essas discussões. Bom, em todo caso, comentários e sugestões são obviamente sempre bem vindos!

5 comentários:

Paul Joe disse...

ola ! vc touca muito bem, eu nao falho portugues, mais meu amor por Joao gilberto e muito grande igual q vc ,eu sou Hector Diaz, eu sou do Lima- Peru , eu escutei bossa nova desde os 8 anos. eu quisiera falar con vc meu mail e akileskacho@gmail.com pra falar do bossa nova, eu quero toucar Nao Vou Pra Casa, Nao sei :( jo jo.. bom obrigado.. chau!

Anônimo disse...

mew, mto bom o conteúdo do blog,

vc poderia colocar mais informações a respeito dessas progressões que caracterizam estilos ,musicais brasileiros...

abri meus olhos para um estilo que ateh o momento era mto complicado de compreender...

vlw

Anônimo disse...

anonimo anterior
trezinho@msn.com
mew email caso tenha mais algum material desse genero...


c puder me auxiliar

Sams disse...

Cara ainda bem que existem pessoas como vc. Que prescindem do seu precioso tempo para partilhar (um dos verbos mais bonitos, por sinal) a sua experiência com os outros.
Acho que quem não gosta do João é ruim da cabeça ou doente de ouvido.
Eu estou aprendendo a tocar e o q acho mais difícil no João são as divisões rítmicas tão típicas dele.
Estou a aprender alguma coisa (dado meu nível ainda baixo) com este blog e espero aprender muito qdo tiver um pouco mais evoluido.
Obrigado e continue postando.

Cptos desde o outro lado do atlântico (Cabo Verde - Africa)

PaulinhoFerreira disse...

Muito bom seu Blog sobre as analises harmônicas das músicas do João.O grande lance dele além da batida sincopada é o jogo de inversões que é muito usual na nossa música popular.Acabei de pegar "Não vou pra casa" e estava vendo sua análise..eu acho que naquela parte em que ele utiliza a progressão IIm V7 de B7M o acorde V7 é um F#7/E ao invés do diminuto como sugere,pois o 7 grau não é diminuto nesse acorde.
Fiquei com dúvida foi na função do F°.Qual seria a função desse acorde?
Muita legal sua iniciativa..se poder postar mais coisas e trocar idéias seria uma boa!
abraço sonoro