Temas e Projetos

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

João Gilberto by João Leão #3 - Você vai ver

Retomando as atividades, posto aqui mais um arranjo, que já está circulando pelo Youtube mas faltou o meu comentário aqui no blog. Ainda do mesmo álbum do João, a música do Tom "Você vai ver".



O mérito da música já começa pela composição! Fui apresentado a essa música primeiro através de uma partitura, quando estudava piano no Clam ainda. Nunca tinha ouvido nenhuma gravação e me meti a ler essa partitura e fazer um arranjo no piano, nada de mais. E desde o começo a música me pareceu uma colagem de várias outras músicas do Tom Jobim, clássicos da Bossa Nova. Da pra reconhecer nessa linha meódica toda trechos (ou pelo menos rastros) de Desafinado, Lígia e muitos outros...

Mas deixando o Tom um pouco de lado (com todo o respeito, obviamente), acho que esse arranjo do João é muito bem colocado, principalmente em relação às técnicas que falei no outro post. Logo no começo ele já usa bastante os acordes com 3 notas somente. No segundo compasso, ele inclusive faz isso em um acorde que seria meio diminuto (menor com a 5a diminuta) mas omitindo a quinta:

D6/F#(2x020x) D7M/F#(2x022x) G#m(b5)(4x44xx) G#o(4x34xx) C7M(x3545x)

Nessa passagem, o penúltimo acorde poderia ser tanto o próprio G#o(4x343x) como um C#7/G#(4x342), já que ambos fazem o papel da dominante na cadência. Porém, mesmo omitindo a 5a diminuta no antepenúltimo acorde, é interessante como ele ainda soa bem, já que essa nota pertence à melodia. Mas tecnicalidades à parte, esse truque de fazer acordes com 3 notas foi revelador para mim. Porque deixa a música mais leve em determinados momentos, principalmente em situações de cadências rápidas, e creio eu que isso se torna mais freqüente nessas fases posteriores do João (ainda não parei para analisar com calma, mas me parece que em seus arranjos mais antigos os acordes são mais cheios) e principalmente quando é só voz e violão mesmo, sem cozinha ou orquestra para acompanhar.

Bom, agora de volta à ativa, depois de uma breve temporada fora de casa, veremos o que mais me da na telha de postar nesse blog!

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

João Gilberto by João Leão #2 - Desde que o samba é samba

Essa é a minha favortia. Acho que foi a música mais bonita que já tirei do João Gilberto até agora, pelo seu arranjo muito bem elaborado, um verdadeiro passeio da harmonia sobre a letra e o ritmo. A música é "desde que o samba é samba", do Caetano, e está no mesmo disco da música do post passado, o "João Voz e Violão" (2000).



Bom, acho dificil resumir os principais pontos desse arranjo - porque ele é muito bom! -, mas acho que o mais interessante são os momentos onde o João coloca a harmonia em movimento. O ritmo flutua por um tempo, e quem toma o seu lugar é a harmonia. Mudando de acorde em cada tempo durante um, dois ou até três compassos, na verdade o que acontece é que o movimento das vozes que compõem a harmonia, debaixo da melodia que está sendo cantada, já cria por si só a sensação rítmica e o balanço, mesmo com a suspensão da batida ritmica do violão. Vou transcrever os pontos onde ocorre isso na música:

1. (na primeira passagem da parte A, primeira repetição):
D6/F#(2x020x) B7/F#(2x120x) Fo(1x010x) E7(b9)/D(xx0131) / A/E(xx2222)

2. (na segunda passagem da parte A, primeira repetição):
D6/F#(2x020x) G#m11(4x44xx) G#m6(4x34xx) C#7(#11)(x4x463) / F#7(4)(2x242x) F#m7(2x222x) F#m6(2x122x) B7(x2x242) /

3. (na segunda passagem da parte B, primeira repetição):
G7(3x343x) Gm6(3x233x) F#7(2x232x) F#m6(2x122x) / F#m11(2x22xx) F#m6(2x12xx) DMaj7/F#(2x022x) Fo(b13)(1x012x) / Em7(0x543x) A7(b9)(x0532x) D6(x5420x) Dm6(x5320x) / AMaj7/C#(x4210x)

4. (na segunda passagem da parte B, segunda repetição):
G7(3x343x) Gm6(3x233x) F#7(2x232x) F#m6(2x122x) /
B13/D#(x6789x) B(b13)/D#(x6788x) B7/D#(x6787x) E7(b9)/D(x5676x) /
Em7(0x577x) A7(13)(x0567x) D6(x5420x) Dm6(x5320x) / AMaj7/C#(x4210x)

Bom, só com essas passagens já é possível sacar muita coisa de peculiar, pelo menos pra mim, dessa construção harmonica, que se repetirá também em outras músicas que postarei mais pra frente. Por enquanto, adianto duas delas, as que mais me chamaram a atenção quando tirei esse arranjo, junto com os outros que tenho até agora. Em primeiro lugar, percebi que algumas vezes o acorde é tocado usando apenas 3 cordas (ao invés de quarto, que é o usual na batida do João), que soam a tônica, terça e sétima do acrode - apenas o suficiente para defini-lo num ambiente tonal. O segundo ponto que quero destacar são os acordes 7(#11). Não costumo usar esse tipo de montagem (com o #11) em meus arranjos, mas esses acordes criam uma tensão interessante na música.

Como já disse, vou explorar melhor esses pontos nos próximos posts, vendo o comportamento dessas figuras (acordes de 3 notas e 7(#11)) em outras músicas (mas ainda assim em situações harmônicas semelhantes). Até lá.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

João Gilberto by João Leão #1 - Não vou pra casa

Bom, inaugurando a seção de estudo dos arranjos de João Gilberto, vou postar uma música relativamente simples (isso porque não tive grandes dificuldades em tirá-la de ouvido). A música é Não vou pra casa (Antonio Almeida / Roberto Roberti), de seu álbum João Voz e Violão, de 2000.



Vou começar inicialmente com o vídeo que gravei executando o arranjo, e tentarei depois esboçar alguns comentários gerais sobre a música. Pra facilitar a leitura, principalmente de quem não entende e/ou estuda música e harmonia, tentarei começar primeiramente com a minha percepção sensível da música, e vou gradativamente evoluindo até algumas pontuações que consiga fazer a respeito da harmonia e das construções de acordes do arranjo do João Gilberto. O leitor pode ir até onde sua compreensão de teoria musical e do funcionamento do violão chega, ou simplesmente se ater às discussões estéticas gerais da música, apesar de que praticamente toda a estética do João Gilberto está calcada em seus jogos rítmicos e harmonicos, que tentarei esmiuçar o quanto puder.

Creio que conforme eu me familiarize e me aproprie mais desses típos de análises produzirei posts mais fluentes e ricos. Esse primeiro vale como um teste...

Vamos ao vídeo:



Bom, inicialmente o que me atraiu bastante nessa música é a letra, bem interessante, principalmente para mim que não gosto muito de ficar em casa! Tanto que quando me apresento ao violão em algum lugar quase sempre toco essa música, que dependendo da situação serve até como um hino à minha bohemia e até deixa transparecer algum sentimento de nomadismo, chamando o acaso para a brincadeira - ou para a roda do samba-, como o maior dos aliados e campo de possibilidades infinitas de acontecer e agir. Apesar dessa não ser explicitamente a mensagem da letra, me dou o direito de interpretá-la desse modo.

De qualquer jeito, o João é mestre em pegar sambas bem antigos e revitalizá-los na sua Bossa Nova. E muitos desses sambas com compositores relativamente "desconhecidos" - ou "não famosos", pelo menos para a minha geração. Uma rápida pesquisa no Google e vejo que Antonio Almeida e Roberto Roberti são dois compositores da era do rádio, nascidos em 1911 e 1915. Entre as principais composições de Roberto Roberti identifiquei outra música conhecida do repertório de João Gilberto, Izaura - quem sabe poste ela em outro momento oportuno-, e outras mais famosas como a boa e velha marchinha Aurora!

Indo um pouco mais a fundo, percebemos que a música possui uma harmonia bem símples, um sambinha sem grandes surpresas. Mas destaco aqui dois pontos altos do arranjo que João fez pra essa música:

O primeiro é bem simples, se vê logo nos primeiros compassos. Quando tirei esse arranjo foi quando primeiro percebi uma das formas que o João trata um acorde que se prolonga por alguns compassos. Nesse caso, é justamente a fundamental da música, que está no tom de B. Para dar mais balanço à harmonia em três compassos onde o acorde se sustenta, ele faz a seguinte sequência (os números entre parêntesis indicam a posição dos dedos no braço do violão):


Bmaj7 (x2x342) / Bmaj7 (xx4444) / Bmaj7 (xx4446)

Nada de extraordinário, mas me chamou a atenção, e logo vi que ele usa esse recurso, com outras formas, em diversas outras músicas.

O outro ponto ocorre na parte B ("Eu sou do samba rasgado..."), que seria originalmente uma simples progressão cíclica I - VI - II - V - I, extremamente comum não só no samba, um movimento típico da musica tonal em geral. No caso da música, a progressão começa no grau II, e seria:

C#m7 / F#7 / B / G#7 / C#m7 / F#7 / B

O que João faz é quebrar com a monotonia desse "quadradinho" tão manjado, alterando os acordes dos graus II e V, ficando:


C#m7/G# (4x242x) / ?Eo? (0x202x) / Bmaj7 (x2x342) / G#7 (4x454x) /

O segundo acorde para mim sugere um Eo (diminuto), que nesse caso funcionaria como substituto do F#7, dominante. Mas o mais interessante é a mudança na progressão do baixo, que realmente quebra a monotonia da progressão original.

Bom, essa música relativamente símples me serviu de teste para os postos que produzirei para esse projeto. Talvez não tenha muito espaço para uma discussão minuciosa da harmonia em músicas mais longas e mais complexas que já tirei do João Gilberto, ou talvez eu vá encontrado formas mais enxutas de fazer essas discussões. Bom, em todo caso, comentários e sugestões são obviamente sempre bem vindos!

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Projetos, caminhos...

Estou encarando esse blog como uma espécie de desafio (ou combate, acho que cabe melhor...) interno. Pois será de grande utilidade principalmente para eu organizar e registrar experiências e pensamentos, coisa que se mostra cada vez mais útil e necessária. Acredito que as contribuições e interferências externas venham em seguida, mas quanto a isso não posso e não devo traçar nenhum objetivo a priori, apenas estar aberto a aproveitar e buscar essas externalidades, contando com a sempre bem vinda obra do acaso e das redes sociais que venho construindo nos últimos tempos. De resto procuro uma maneira de organizar e registrar minha produção, e torná-la disponível a quem queira...
Para isso preciso, ao menos nesse início, delimitar alguns esboços de projetos sobre os quais me debruçarei com um pouco mais de firmeza. É lógico que não quero me limitar somente a um número palpável de projetos, até porque a idéia é que eles se misturem e se confundam em vários pontos... e conforme me familiarizo e me aproprio mais desse blog, não hesitarei em deixar emergir pelas frestas e bordas alguns pensamentos mais livres e abstratos. Bom, vamos aos pré-ante-proto-projetos!

João Gilberto por João Leão: quem me conhece a bastante tempo possivelmente já me ouviu tocando violão. Aprendi a tocar violão, salve algumas preciosas dicas de meu pai, vendo e ouvindo João Gilberto. Por isso, desde então faço uma pesquisa, ainda que desorganizada e desarticulada, das técnicas e nuances do violão de João Gilberto. Postarei aqui alguns arranjos que tirei de ouvido ou assistindo a videos do João (o Gilberto), e tentarei uma discussão técnica e conceitual de sua arte. Talvez esse seja o projeto mais promissor que será organizado e desenvolvido inicialmente nesse blog. Certamente foi um dos que mais me incentivou a criar esse espaço. Veremos até onde conseguirei chegar para dialogar com quem estuda, gosta, conhece e/ou escuta João Gilberto!

MetaBlogagem: Parte do meu esforço também tratará justamente desse blog. Deixei-o por enquanto bem simples, pois acredito que com o tempo descobrirei novas ferramentas e terei mais disposição e idéias para mudar seu visual e sua funcionalidade. Acho importante também registrar essas mudanças e descobertas aqui. Esse tema já está também muito ligado ao próximo.

Software Livre, Produção Livre: Ha pouco tempo me juntei com um pessoal conhecido da Escola Nômade (http://escolanomade.org/) para montar um grupo de discussão e exploração das possibilidades de produção de mídia em software livre. Inicialmente exploraremos a produção e edição de vídeos em Linux, e paralelamente pretendo também ir adiantando o próximo estágio, que seria a de produção e edição musical.


bom... acho que estes são temas centrais que vão nortear os primeiros passos desse blog. Outros deverão com certeza surgir em pouco tempo. Além disso, ficarão aqui registradas minhas outras experiências musicais, principalmente minha recente expedição pelo universo do reggae (o qual descubro ser muito mais interessante do que parecia a princípio!), e meu contato com a música eletrônica e contemporânea, e com as outras artes.
Acharia interessante também postar muitas outras coisas, desde pensamentos filosóficos até relatos do cotidiano bohêmio... mas não quero especular mais do que já o fiz sobre o futuro desse espaço.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Gênese

Mais um passo no universo da produção e distribuição compartilhada. Esse blog me servirá o quanto possível para compartilhar experiências e pensamentos, explorando e potencializando minhas capacidades de produção de realidade.

Acontece que estou há muito tempo percorrendo simultaneamente diferentes caminhos (muitas vezes até conflitantes ou incompatíveis), dentro da música e das artes, da engenharia e tecnologia, da filosofia e, porque não, da bohemia. Este será mais um espaço onde esses caminhos poderão ganhar vida e dialogar com outros caminhos. As diferenças, conflitos e incompatibilidades serão exploradas e aproveitadas ao máximo, já que é somente através do encontro, do acaso e da diferença que a realidade ativa se produz.

À esquerda, uma agendinha com minhas próximas empreitadas musicais

Adiantando o tema do próximo post, escrevo agora a partir da minha estação de trabalho, agora rodando o Ubuntu Studio 7.10! Quero explorar as possibilidades de produção musical (outras mídias também terão sua vez) nesse ambiente de software livre e compartilhamento virtualmente sem fronteiras, assunto no qual estou aprendendo a engatinhar agora!

até mais...